quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Arte a serviço da inteligência

Uma entrevista com o artista plástico Gino Baiense

Há muitos anos, o conceito de arte vem-se transformando, especialmente nos centros urbanos, onde a Arte invariavelmente alia-se a uma função social e prática. Vide música nos metrôs, barzinhos, intervenções performáticas teatrais nas praças, estátuas vivas, malabaristas de faróis, e a mais interferente aos olhos dos cidadãos: o grafiti, frequentemente confundido com sua prima mais rebelde – a pichação, que sofre uma dose de preconceito dos que consideram seu senso estético agredido pelo resultado sujo. Um sinal da falta de definição clara dos limites tanto do bom senso, bom gosto (?), quanto dos limites entre os direitos de uns e outros: de um lado a livre expressão desafiadora, do outro o direito do cidadão de não ter sua residência, estabelecimento, muro pichado de forma arbitrária. Essa discussão se prolongará por muito tempo certamente.


Mural criado pelo artista plástico Gino Baiense

Outra agressão que sofremos diariamente em São Paulo, é a quantidade de lixo e entulho espalhados pelas ruas, que em todos os bairros tem crescido assustadoramente.

O Bom Retiro, no centro, certamente é uma dos bairros campeões nesse quesito. Montanhas de sacos de lixo, restos de tecidos e detritos das centenas de confecções, restaurantes e residências do em torno da Rua José Paulino, além do descarte irresponsável de material de construção pelas esquinas, sofás, fogões, geladeiras, tudo que se possa imaginar que um ser urbano joga fora no dia a dia.

Eu passo diariamente pela Rua Anhaia e, na esquina da Silva Pinto, até dois meses atrás, acumulava-se lixo e entulho todos os dias. Moradores de rua, e até comerciantes irresponsáveis, colocavam fogo no material, o que ajudava a prejudicar mais ainda o nosso ar já tão sujo, além do risco de incêndio. Recentemente, os bombeiros foram chamados, tamanha a proporção que o fogo tomou. Triste.

Eis que, alguém teve uma iniciativa inteligente, criativa e barata: contratar um artista para criar um grafiti que iluminasse a esquina com cores claras,  tivesse o tema TREM (a esquina fica sob um pontilhão da CPTM, e a pintura do muro precisava de autorização), mesclado com o tema MODA, pois a iniciativa partiu das donas de uma das lojas vizinhas à esquina; e que ao mesmo tempo tivesse uma função profilática (se é que se pode ofender desse jeito uma obra de arte!)


Depois de terminado mural, nunca mais houve lixo no local

O resultado foi incrível! Se tivessem posto um segurança 24 horas por dia no local, talvez não tivessem o mesmo resultado! Nesses três meses, desde que a pintura foi concluída em julho, nunca mais foi deixada uma caixa de papelão sequer na calçada, e tornou-se mais agradável a espera do semáforo pra quem está de carro ou de ônibus.

E o mais impressionante: apesar de o muro ter 40% de sua área pintada de branco, nenhuma pichação apareceu. Ou seja: há uma ética informal vigente, que cria uma cumplicidade silenciosa,  que as pessoas comuns desconhecem, por estarem insensibilizadas às manifestações mais puras da relação humana com as sutilezas da Arte. Há um código de ética marginal de valores, em quem se expressa, que respeita toda ação sincera de inteligência artística. É um pacto invisível, onde a inteligência é soberana.

Se essas ações fossem ampliadas para todos os setores da sociedade com soluções simples para os problemas cotidianos, o sentido de cidadania seria mais elevado, e todos ganharíamos com uma cidade mais humana. Atitudes inteligentes sempre geram resultados satisfatórios.

Quem espera de um órgão público a solução imediata dos problemas cotidianos, invariavelmente se frustra, e desanima. Quem espera resolver os problemas com repressão, se desumaniza. Só que a não-ação condena todos a sofrerem as conseqüências. Então, cada um melhorando o seu espaço, já é uma grande contribuição para que a qualidade de vida da cidade melhore, e se economize dinheiro e energia.


Mais de dois meses de um muro claro e sem pichação!

Conversamos com o e criador do mural, o artista Verginio Baiense, que assina Gino, para saber como foi o processo, de quem partiu a idéia, e se já esperavam um resultado tão eficaz.

Entrevistas Exlusivas - Gino, quanto tempo você levou para a execução do mural?
Gino - Entre preparar o layout e pintar o muro, 10 dias
EE - Como você foi contratado?
Gino - Fui contratado por uma lojista, após uma indicação de um amigo que estava realizando um trabalho de reforma em sua loja que fica ao lado do muro.

EE - Quem financiou a obra?
Gino - Dividi com a loja os custos do trabalho.

EE - A quem pertence o muro?
Gino - Não sei ao certo se pertence a prefeitura ou a CPTM.

EE - Quem sugeriu o tema e as cores?
Gino - Foi um trabalho realizado em conjunto. Apresentei alguns rascunhos sugerindo as cores e as formas a serem pintadas, a partir daí, decidimos juntos com a loja e a CPTM o layout final.

EE - Você tem outros painéis pela cidade?
Gino - Não, é o primeiro trabalho que faço na cidade de São Paulo com essas proporções.

EE -Você não usa tintas tóxicas, por quê?
Gino - Utilizo sempre tintas a base de água, de preferência as acrílicas, são tintas menos agressivas à saúde.

EE - Você já teve problemas com pichadores?
Gino - Não, na maioria das vezes eles respeitam o trabalho de outro artista.

EE - Você sobrevive das artes plásticas?
Gino - Sim, mas com certa dificuldade.

EE - Conte um pouco da sua carreira.
Gino - Comecei a pintar aos 13 anos de idade, no início era apenas uma distração e aos poucos fui descobrindo que levava jeito.
Participei da colméia de pintores do Brasil de 1983 a 1987 na Quinta da Boa vista no RJ.
Dei aulas de desenho e pintura durante 3 anos (1987 a 1990) no Colégio Cenecista Dr. Pedro Jorge no Rio de Janeiro.
Fiz algumas exposições e participei de alguns movimentos artísticos como a passeata artística na Eco 92, onde doei um quadro para o fórum global da ONU, mas nada tão expressivo ou de grande repercussão.
EE - Quais seus próximos projetos?
Gino - Atualmente trabalho com decoração para quartos infantis na confecção de painéis, acessórios e pinturas artísticas, pretendo trabalhar também com ilustrações para livros de contos infanto-juvenis.

EE - Grato pela entrevista e muito boa sorte!
Gino - Obrigado.
Maiores informações sobre o artista: